domingo, 8 de junho de 2014

Panquecas terapêuticas

Fizemos panquecas semi veganas (fiz concessões ao leite e queijo, por querer mais aproximação culinária que atritos ideológicos com a mamma). Cheguei cansadíssima desse programinha de índio que ela adora: o inferno dos consumistas famintos chamado shopping. Passei o dia dizendo que queria fazer panqueca, que não queria comer mais bobajitos pela rua, até pq na padoca em frente ao trabalho tem um 3a idade sem senso de noção que resolveu brincar que ainda dá no couro pra cima de mim, que finjo demência. Ela foi fazendo a massa com metade leite, metade água de coco, ovo, um pouco de sal, outra pitada de fermento, metade farinha comum, metade integral. Fiz o recheio de palmito, azeitona, tomate, champignhon, cenoura, shoyo e orégano. Por alguma dessas razões que só a alquimia de ingredientes explica chiei que ela sempre fala da maternidade como se fosse meus  mais preocupação que alegria "blá blá blá Whiskas Sachê". Ela retomou o que ouço há 35 anos, não que eu tenha dado preocupação, mas operar meus olhos quando bebê, ela achava que ia ficar cega, por isso a recorrente percepção/ conselho: "não tenham filhos pq é uma preocupação muito grande pro resto da vida". Mais ou menos como meu irmão acha que não dá pra ter filho pq se abre a mão da vida. Não por acaso ambos são virginianos. Parecia aquelas cenas em que as reconciliações e confissões saem na cozinha, entre uma mistureba de receita, adaptação, corte e forno. Ela disse que sou caprichosinha pra cortar queijo e dar uma enfeitada como minha madrinha. Falei que queria que ela falasse da filha (no caso,yo) como se fosse esse amor incondicional, essa entrega, essa comunhão e não essas noites sem sono, esses quatro meses sem dormir. Não sei como se deu o milagre deu perceber que quero dela o que não pode me dar: que veja as coisas com mais leveza. Meu amigo têm razão: as virginianas criaram o sadomasoquismo, como posso fazê-la ver as coisas engraçadas, sensíveis, ternas se eles enxergam o peso, o drama, o perrengue? Vi que queria dela um óculos que não está ali entre as córneas e o coração. Óbvio que limpei muita lágrima entre um rala cenoura e um esparrame de tomate nas panquecas, cuja massa dividi com o Bidu. Lá pras tantas pedi desculpas pelo trabalho sobrehumano que dei, daí ela ficou dizendo que não era esse trabalhão, mas uma preocupação que nunca acaba "bló bló bló sonoplastia da professora do Snoopy". Ela lembrou que só uma vez abri a cortininha da pia da cozinha e me banhei de óleo de comida. Meu pai lembrou da vó contar que ele jogava talco num santozinho que ela tinha e dizia que "punha taco no Quisto", era bem pequeno. Achamos uns sapatinhos da minha tia, ela quer enquadrar como na parede da casa do meu professor de teatro Documentário, tinha outro par meu, número 14, que também quer emoldurar e pedi pra mim, pois já tem uns sapatinhos antigos meus numa caixinha pendurados numa parede do apê deles. Dei ideia de por fotos nossas de bebês. Trouxe a panqueca pras marmitas da semana. E de um jeito meio mestre cuca, alguma coisa se curou entre o preparo de cada coisinha e o cheiro que dava vontade de comer logo tudo.