sábado, 30 de agosto de 2014

Na noite em que aprendi a comer tarê

Há anos um colega com quem compartilho idas e vindas no exercício da dilatação e reajuste dos limites de nossa amizade multicor me levou em algum daqueles mágicos restaurantes japoneses da Liberdade. É um ambiente perfeito para confissões, descobertas e claro, experimentação e ampliação das "sabores paixões de nossas vidas". Era uma época boa para fazer isso: ainda era uma apaixonada por sushis, sashimis (hoje sou vegetariana do tipo "até peixe"!), regávamos confissões a sakê (hoje meus sobe e desces emocionais não me permitem beber mais) e naquele clima intimista de mesinha oriental, luzes baixas, íamos revelando amores incofessos antes mesmo que abríssemos a boca. Já era "fanzaça" do shoyo, mas foi este meu amigo, que desconfio ter olhinhos puxados de ascendência italiana, que me fez cair de amores pelo molho tarê. Devia estar naquela fase em que falar da comunicação me dava vontade de bancar a bulímica e ir "devolver pra natureza" no banheiro. Não lembro com quem exatamente estudava ou ensaiava qualquer montagem teatral, mas ele captou:
- Quando você fala do teatro, seus olhos brilham!
Outros tantos devem ter dito isso, antes e depois da noite em que aprendi a comer tarê, mas a percepção marcante é aquela ligada ao sabor que nos remete a um dos "amores iô iô" que já tínhamos liberdade para dizer nas entrelinhas:
- Desapega do jornalismo que dinheiro não é tudo nesta vida.
Não fiz como a amiga de "contação" de histórias, que ao ouvir constatação semelhante ainda era estagiária de publicidade, largou os anúncios e correu para os ensaios. Eu realmente me dividia entre a paixão bandida de apurar, escrever, entrevistar, levantar fonte, pesquisar dados complementares, ouvir quem entendia ou gostava demais de qualquer assunto e me fazia interessar junto, montar o "Frankestein do texto informativo", pesquisar ou pedir foto, cobrir evento e... virar um texto ficticio do avesso, testar marcações, experimentar luzes, propor músicas, emprestar ou produzir figurinos, amarrar esquetes de um tema eleito pelo grupo (alguma coisa me diz, que na época, era Nelson Rodrigues com a direção da Cristina Mutarelli no Teatro Augusta), ter frio na barriga, não enxergar na coxia, me por no lugar do personagem... Foram amores que andaram por muito tempo juntos. Dezoito anos, pra ser mais precisa. A ponto de adoecer se me afastasse de um ou abandonasse o outro temporariamente.
Há quatro meses e meio estou mergulhada até os fios de cabelo na educação e "contação" de histórias. Almoço, janto e durmo com isso, leio no ônibus, falo no metrô, pesquiso nas horas vagas. Não tive essa "sangria desatada" com o jornalismo, de chegar ao batente já com as manchetes lidas e acompanhar rádio fora do trabalho. Esses são meus colegas do Face, "jornalêros até a medula". Porém, como uma amiga da "Casseta Mercantil", repórter desde menina, na infância apontava o prédio da Abril, na Marginal Tietê e dizia que trabalharia lá. Quando questionavam o que fariam, afirmava que escreveria na revista. Ainda não sabia como chamava e nem o quanto me detonaria o sono, estômago... Se bem que puxando pela memória, também escrevi uma peça no 4o ano, sem nunca ter visto uma e atuei: me lembro de nascer como uma semente num palcozinho da escola Adventista, em que no geral só cantávamos música religiosa.
Por que estas memórias em pleno sábado à noite? É que comi num japonês na Santa Cecília hoje. E amanhã me formo pela Associação Viva e Deixe Viver, para contar histórias em hospital. Uma paixonite que descobri na unha. E também porque depois de tanta canseira pra cozinhar, tenho é que associar as descobertas mais significativas da vida à cozinha.... E pra não dizer que este post enganou-se de editoria: ontem fiz um doce que amo e não tem lactose: aê milagre! Bato polpa de cupuaçu com o condensado de soja, que imita mais o doce de leite e fica bem equilibradinho: nem tanto lá, nem tanto cá. Aliás, licença de me deliciar com ele sem cólica intestinal depois. Servidos?

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